Ao
chegar em sua casa após um longo dia de trabalho, Henrique tomou uma
decisão que deveria ter tomado há alguns meses. Retornaria a sua terra
natal, São Miguel do Guamá, cidade muito acolhedora e linda pela sua
tranquilidade.
Estando
ainda seguindo pela rodovia BR-316, ele começou a relembrar a sua
infância. O tempo da escola, das conversas do portão, da primeira
namorada, da fuga pela janela quando o pai bateu no quarto da sua
namorada. E ser pego em flagrante era casamento, na certa!
Entre uma parada e outra para
descansar, Henrique teve uma certeza, queria chegar em casa! De longe,
avistou sua casa, simples, com a pintura gasta pelo tempo. O telhado
continuava com o sinal daquela ventania da década de 30, mas ainda com
um ‘’jeito acolhedor”.
Seus
pais felizes pelo reencontro vieram abraçá-lo. Quanta saudade expressas
em lágrimas e pulos de alegria! Naquele momento, era como se toda a sua
vida viesse à tona! Foi até o seu antigo quarto e admirado confirmou
que ele estava do jeito que deixou ao partir para Belém do Pará!
Pela
janela avistou o poço! Todos os dias, precisamente no final da tarde,
costumava sentar ao lado dele e lia um livro. Jogava também moedas e
fazia pedidos como havia visto em países como a França. E naquela época acreditava em realização de pedidos.
O poço ainda permanecia o
mesmo. Ele porém, não! Naquele momento, com uma moeda em suas mãos fez a
intenção de fazer um pedido. Lembrou-se da cena em que foi comunicado
do acidente da sua esposa e filha. Foram vítimas de um acidente de
trânsito há cerca de 10 anos. Ele não estava no carro naquela hora.
Estava dormindo após uma semana de muito trabalho no escritório e era sábado. O seu dia de descanso!
Psicoterapia,
medicações antidepressivas, dança de salão, jogos com os amigos,
viagens de intercâmbio; encontros com mulheres pelos sites de
relacionamentos. Tudo em vão! A dor e a lembrança eram suas parceiras constantes.
No
meio do mato apareceu o Walter, amigo de infância que hoje era o Padre
Walter ! Após o reencontro, Henrique contou a sua história e pediu
conselhos:
_
‘’Walter, quero dizer, Padre Walter a dor é muito intensa. Parece que
foi ontem que as perdi! Hoje, quando falo de mim, menciono nós! Não
consegui até hoje me dissociar do passado, pois vivo o passado
diariamente. Sempre em meus lapsos de memória digo como se elas
estivessem vivas. Um dias desses falei: ‘’ ..minha esposa Leandra vai gostar desse filme...’’. Meu amigo disse, na hora: ‘’... você quer dizer que vai gostar Henrique”.
- ‘’
Meu amigo Henrique, a dor é o sentimento que quanto mais se tente
esquecer, mais ela dói ! É como cavar um buraco com a mão... não tem dia
para terminar. Um vazio que não
tem fundo. Uma busca sem encontros. Uma palavra dita sem respostas!
Quando perdemos quem amamos e não vivenciamos a perda essa perda virá
trauma! E este nos acompanha para vida toda.”
-
- ‘’Dói
muito Padre Walter....só quem já perdeu sabe disso! Por mais que venham
acalentar, confortar com palavras ...a dor permanece! As palavras
nestas horas dão a certeza que você é amado e que desejam proteger, mas o
peito dilacerado não fecha de tanta dor. Tive vontade de ir junto, mas
nem que eu pedisse muito Deus não me levaria. Até disse para Deus: “ ...
Senhor, se me amasses como dizes, não as levaria de mim. Que Deus é o
Senhor que me faz sentir tanta dor. Não és bom!’’
-‘’
Deus não tira de nós quem nos amamos Henrique! Ele chama de volta!!! Eu
serei chamado assim como você também será! Se eu disser a você
esqueça!! Você não esquecerá! Creia que um pedaço de você foi com elas e
muito delas ficou com você através de recordações que guardas no seu
coração! E elas viverão dentro de você quando for capaz de transformar
esse sentimento de culpa em amor. Saber doar amor ao próximo através de
solidariedade e fazer com que a perda não seja vista como ‘’um castigo
de Deus’’. Um sorriso, um abraço de quem recebe esse amor e tê-las vivas
ao seu lado. Você precisa seguir seu caminho sozinho. E peça a Deus que
transforme essa dor em amor ao próximo em doação!”
Após
essa conversa, Henrique jogou a moeda dentro do poço. Hoje ele é visto
doando caixas de água toda as vezes que a mãe natureza devolve ao homem a
consequência de seus atos! E aos poucos tenta superar a perda da esposa
e da filha . Não é fácil, mas é preciso acreditar que o sol quando
nasce não escolhe lugar para iluminar. Simplesmente ele ilumina onde não
há luz !
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Deixe a luz do amor preencher o seu coração, que escuro ficou devido à perda! E seja a luz a iluminar o caminho do seu semelhante que muitas vezes encontra-se em completa escuridão!
O amor é o sentimento mais sublime que existe! E até matemático! Quanto mais você divide mais ele se multiplica !
Alda de Cássia
Arte: Vitória de Cássia