terça-feira, 9 de abril de 2019

Conto: Desalento

























 Hoje, quero partilhar um dos meus contos que estava guardado a sete chaves. Tenho alguns poucos que foram escritos em momentos onde o frio era intenso e o sol  insistia em não aparecer.

Um conto triste Alda? Talvez, mas quero demonstrar que é possível transformar um dia triste em um pássaro que resolveu voar em busca do seu destino e deixou para trás o que já viveu e superou.


Enfim, não gosto de escrever contos  de desalento, por isso não mais me permiti deixar fluir. O cenário era o meu quarto e a melodia era de Frédéric Chopin. Na época, a sensação de escrevê-lo foi de estar sentada em uma praia, sozinha , a contemplar o mar.


P.s: Espero que gostem!


                                                Conto: Desalento

Ela caminhava entre as árvores. Olhava para as nuvens. Imaginava ter o poder de tocar uma a uma. O vento brincava com os seus cabelos, e, ela permitia. Permitia o toque. Permitia ser quem era.

A vida não foi tão generosa com ela, mas sempre soube agradecer cada conquista. Era preciso. Sempre soube que havia nascido para ser feliz. Felicidade para ela não era ter um amor, mas ser capaz de tocar o coração do outro como uma gota beija o mar.

As flores eram tão belas e perfumadas. Não teve coragem de arrancá-las. Por isso, pegou uma linda mas murcha rosa e colocou em seu cabelo. O perfume exalava ainda, e, deve ser por este motivo que um beija-flor veio beijar a rosa em seu cabelo.

O que fazer? Não ousou fazer, apenas se permitiu sentir. O som era agradável aos seus ouvidos. Que estranho sentir a presença de sua mãe que havia morrido semana passada. Tinha pressa de chegar em casa, porém a vontade  de ir não era tão grande quanto de ficar.

Uma fina chuva agora caia. Ela se permitia sentir as gotas tocando e rolando pelo seu rosto. Uma sensação de paz e de reencontro. Quantas vezes se perdiam na saudade. Algumas lágrimas caiam em zigue-zague.

Agora, a chuva era mais forte. Os raios desenhavam a sua chegada. O som do trovão avisava que era hora de correr. Correr perto de árvores poderia ser fatal. Lembrou das palavras de sua mãe Dora.

Ah! Doce e meiga Dora, uma senhora que todos os finais de semana fazia um trabalho voluntário na creche Pequerrucho. Mesmo com os seus 80 anos, ela esbanjava saúde entre tantos abraços apertados que distribuía.

Seu sorriso era iluminado. Suas palavras eram de acalento diante da dor e seu abraço era de imensa ternura, mas os seus olhos fecharam para sempre. Sempre era tão dolorido de sentir que Doralice se esvaziava de si.

Quando a morte avisa que vai chegar, ela abre portas e as fecha na saída. O vento não mais entra na casa. O dia chega ao fim e a escuridão deixa tudo vazio e infinitamente sem vida por onde passa.

Doralice volta a olhar para as nuvens. A chuva acabou. Hora de voltar. De ser quem não é, mas que precisa ser. Ser a fina chuva. Vestir-se de primavera e sorrir sem querer.

Ah! A vida que deixa marcas profundas quando um grande rasgo é feito no coração e nem uma doce melodia tem o poder de compor com tanta harmonia como antes era em versos e prosas.

Chega à hora de deixar seu vestido de flor secando no varal e o amor da perda da mãe guardado no álbum do passado e seguir em frente. Nada vai ser como antes. Agora tem certeza. Enrola os cabelos em uma fita vermelha e passa um batom. Acabou o seu dia. Quanto desalento sentia.

Bjs,
Alda de Cássia

*Imagem: Três Passos News